domingo, 18 de novembro de 2007

Para além do bem e do mal

Manoel, embora não pareça, é o nome do meu cachorro. Todos os dias quando chego para o almoço, ao abrir o portão, ele sai para passear. O passeio dura cerca de dez minutos, caso ele retorne e fizermos um aceno de consentimento, ele sai para mais uma volta com o rabinho abanando.

Estou lendo Nietzsche novamente. Incrível como esse alemão consegue nos fazer ir e vir, desistir e insistir. Ele trabalha bastante os conceitos de bem e mal e a construção da moralidade de forma que a verdade e a falsidade não mais existem, tudo se resume à multiplicidade, pois tudo é interpretação e o bem e o mal são relativos, e apenas válidos para as relações de poder estabelecidas. Desse modo, os valores estariam para além da moral, pois seriam compostos pelas relações de poder criadas pela sociedade. Isso o torna mais instigante porque nos permite entender suas idéias como um instrumento que servem para demarcar as possíveis interpretações de mundo, e não como verdades.

Por conseguinte, se torna irrelevante julgar se os juízos de valor sobre a vida são verdadeiros ou falsos. Já que a vida é o fundamento da invenção dos valores, ela não pode ser avaliada ou nomeada, conceituada. Todo juízo de valor está sujeito às condições de vida e varia com elas. Coloco-me no lugar dos juízes e “proprietários da lei”. Como condenar alguém que cometeu um crime sem conhecer sua história de vida? Como interpretar os culpados, os verdadeiros culpados? Seria o sistema o responsável pela fome, a miséria, o crime e a “falta de moral”? Qual a responsabilidade de Deus? E do Estado?

Exemplo da dificuldade de conceituar a vida, nossas ações e interpretações foi o comportamento do Manoel hoje. Domingo e, para variar, dormi demais. Minha mãe resolveu abrir os portões da liberdade para que meu cachorrinho pudesse dar o habitual passeio; mas ele não foi. Seria completamente imoral, mau e errado sair para passear sem que eu o permitisse, sabendo ele que eu estava em casa. Pois para não ser excluído de seu quadro social com comportamentos imorais, ele ficou esperando que eu despertasse do meu pesado sono e o permitisse à liberdade.

Por mais incrível que pareça, o pensamento nietzschiano que tem me dominado me fez permanecer o restante do dia com “peso de consciência” e certamente amanhã ele ganhará um grande osso como pedido de desculpas. Não me resta dúvida que é a atitude que melhor representa a bondade humana que eu, preguiçosa e boa de cama, poderei ter. E, é claro, publicar uma foto dele dormindo com cara de ressaca (rs) relativamente não é imoral ou vingança.