terça-feira, 18 de março de 2008

A rima, a Rosa

Ouvindo a canção “A Rosa” de Chico, lembrei-me de uma característica própria dele que é escrever sem utilizar de rimas, ricas ou pobres, e trabalhar com o ritmo das palavras na construção das músicas. Falando em “Construção”, talvez esta seja a composição mais adequada para exemplificar a qualidade a qual estou me referindo. Nela, o poeta rima a dor cotidiana do proletário, representado pelo operário de obra que decide se matar, com a insignificância do memso no apressado mundo veloz, representado pelo tráfico.

O tema não é a única forma de rima aplicada à poesia, observa-se também que todas as palavras da referida são proparoxítonas, ou seja, sua sílaba tônica é a antepenúltima e a mesma é acentuada. Assim, a canção não possui as rimas da música sertanoja como exemplo os verbos que têm a mesma conjugação cantar, amar, chorar, ou ainda substantivos com a mesma terminação como paixão, coração, emoção; e sim palavras com terminações e classes gramaticais distintas, mas com entonações que permitem uma rima rítmica magnânima, digna da genialidade de alguns compositores da música brasileira. Observe:
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Voltando à rima, à rosa. Para mim a poesia e a música são de fundamental importância à manutenção do equilíbrio emocional e a felicidade, propriamente dita. É nelas que encontro refúgio quando desejo fugir do stress e competitividade mundanos, também é nelas que encontro a força motriz para continuar na busca pelo conhecimento e equilíbrio. E neste blog descrevo alguns desses devaneios. A significância da rima, é que a mesma lembra poesia, mesmo não sendo uma obrigatoriedade da outra e a da Rosa é trazer a beleza e o perfume à vida.
A Rosa, neste texto, significa o símbolo dos sentimentos que ambos, o texto poético e a musicalidade trazem ao cotidiano. Mesmo que nem sempre realidade, ambos nos motivam, nos animam. A canção que me inspirou a escrita hoje foi A Rosa, mulher que, assim como a poesia, arrasa os projetos de vida, mas sem ela não os haveria. Não se esqueçam de observar a rima, a rima, e a delícia dos trocadilhos entre os adjetivos.

Arrasa!
O meu projeto de vida
Querida!
Estrela do meu caminho
Espinho!
Cravado em minha garganta
Garganta!
A santa!
Às vezes troca meu nome
E some!
E some!
Nas altas da madrugada...

Coitada!
Trabalha de plantonista
Artista!
É doida pela portela
Ói ela!
Ói ela!
Vestida de verde e rosa
A Rosa!
A Rosa!
Garante que é sempre minha...
Quietinha!
Saiu prá comprar cigarro
Que sarro!
Trouxe umas coisas do norte
Que sorte!
Que sorte!
Voltou toda sorridente...

Demente!
Inventa cada carícia
Egípcia!
Me encontra e me vira a cara
Odara!
Gravou meu nome na blusa
Abusa!
E acusa!
Revista os bolsos da calça...

A falsa!
Limpou a minha carteira
Maneira!
Pagou a nossa despesa
Beleza!
Na hora do bom me deixa
Se queixa!
A gueixa!
Que coisa mais amorosa
A Rosa!
A Rosa!
E o meu projeto de vida
Bandida!
Cadê minha estrela-guia?
Vadia!
Me esquece na noite escura
Mas jura!
E jura!
Que um dia volta prá casa...

Arrasa!
O meu projeto de vida
Querida!
Estrêla do meu caminho
Espinho!
Cravado em minha garganta
Garganta!
A santa!
Às vezes me chama Alberto
Alberto!
De certo!
Sonhou com alguma novela
Penélope!
Espera por mim bordando
Suando!
Ficou de cama com febre
Que febre!
A lebre!
Como é que ela é tão fogosa...

A Rosa!
A Rosa!
Jurou seu amor eterno
Meu terno!
Ficou na tinturaria
Um dia!
Me trouxe uma roupa justa
Me gusta!
Me gusta!
Cismou de dançar o tango...

Meu rango!
Sumiu lá da geladeira
Caseira!
Seu molho é uma maravilha
Que filha!
Visita a família em sampa
Às pampa!
Às pampa!
Voltou toda descascada...

A fada!
Acaba com a minha lira
A gira!
Esgota a minha laringe
Esfinge!
Devora a minha pessoa
À tôa!
À tôa!
Que coisa mais amorosa
A Rosa!
A Rosa!
E o meu projeto de vida
Bandida!
Cadê minha estrela guia?
Vadia!
Me esquece na noite escura
Mas jura!
Me jura!
Que um dia volta prá casa...

Arrasa!
O meu projeto de vida
Querida!
Estrêla do meu caminho
Espinho!
Cravado em minha garganta
Garganta!
A santa!
Às vezes troca meu nome
E some!
E some!
Nas altas da madrugada...

domingo, 2 de março de 2008

Quando a ignorância é a felicidade, é loucura ser sábio?

Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança - Chico Buarque

Tantas vezes me questionei a respeito da busca pelo conhecimento como autoflagelo e agora escrevo essas linhas a respeito deste tão complexo tema a título de registro de opiniões e não como crítica, enquanto proposta desta oficina. Hoje foi um dos dias em que acordei com um desejo de viver sem me notar, aflita por ser e ter consciência do eu por mim mesma. Esta aflição acompanha a todos que lutam pelo saber, sobretudo aos que anseiam o autoconhecimento, embora todas as buscas tragam sentimentos indesejáveis como surpresa, medo, desilusão, frustração entre outros. Para evitar essas conseqüências a maioria de nós opta pela alienação.

Em uma palestra descobri que a depressão é identificada por passos. Sempre que ultrapasso a segunda etapa, procuro esquecer dos filósofos e assistir às novelas e ao Faustão, além de conversar mais com pessoas e respeitar melhor a multiplicidade cultural da sociedade. Durante estes períodos, percebo o quão mais feliz que eu a maioria das pessoas é. Trabalhar demais, dormir demais, agenda lotada. Todos evitam estar sozinhos por um tempo maior que o reservado à higiene pessoal e necessidades biológicas e este é o segredo da felicidade!

O complicado é que depois de um determinado período é impossível se enganar e “passar uma borracha” nas leituras apreendidas. É complicado não sentir-se livre depois de ter experimento a liberdade e a dor que a mesma traz: a da responsabilidade. A ignorância é a justificativa do perdão e a ciência nos leva à culpa e à cobrança. São sentimentos bem descritos por Fernando Pessoa no excerto abaixo:

Lembro-me de quando era criança e via, como hoje não posso ver. A manhã raiar sobre a cidade, ela não raiava para mim, mas para a vida. Porque então eu, não sendo consciente, Eu era a vida. E via a manhã e tinha alegria. Hoje vejo a manhã, tenho alegria e fico triste. Eu vejo como via, mas por trás dos meus olhos, vejo-me vendo. E só com isso, se obscurece o sol, o verde das árvores é velho e as flores murcham antes de aparecidas... (F. Pessoa)

A análise do tema não me levará à local nenhum, são apenas elucubrações publicadas neste blog, uma forma de dividir minhas dúvidas com alguém que me compreenda, mesmo que seja meu próprio ID, desde que totalmente afastado do superego. Estas publicações me têm trazido a sensação de magnitude que sempre senti ao imaginar o diálogo entre Cae e Gil na canção “Ele me deu um beijo na boca”, na qual os polêmicos assuntos religião e política são citados. Pena que o beijo não é possibilitado pela escrita.
Ele me deu um beijo na boca e me disse
A vida é oca como a toca
De um bebê sem cabeça
E eu ri a beça
E ele: como uma toca de raposa bêbada
E eu disse: chega da sua conversa
De poça sem fundo
Eu sei que o mundo
É um fluxo sem leito
E e só no oco do seu peito
Que corre um rio
Mas ele concordou que a vida é boa
Embora seja apenas a coroa:
A cara é o vazio
E ele riu e riu e ria
E eu disse: Basta de filosofia
A mim me bastava que o prefeito desse um jeito
Na cidade da Bahia
Esse feito afetaria toda a gente da terra
E nós veríamos nascer uma paz quente
Os filhos da guerra fria
Seria um anticidente
Como uma rima
Desativando a trama daquela profecia
Que o vicente me contou
Segundo a Astronomia
Que em Novembro do ano que inicia
Sete astros se alinharão em escorpião
Como só no dia da bomba de Hiroshima
E ele me olhou
De cima e disse assim pra mim
Delfim, Margareth Tatcher, Menahem Begin
Política é o fim
E a crítica que não toque na poesia
O Time Magazine quer dizer que os Rolling Stones
Já não cabem no mundo do Time Magazine
Mas eu digo (Ele disse)
Que o que já não cabe é o Time Magazine
No mundo dos Rollings Stones Forever Rockin´And Rolling
Por que forjar desprezo pelo vivos
E fomentar desejos reativos
Apaches, Punks, Existencialistas, Hippies, Beatniks
De todos os Tempos Univos
E eu disse sim, mas sim, mas não nem isso
Apenas alguns santos, se tantos, nos seus cantos
E sozinhos
Mas ele me falou: Você tá triste
Porque a tua dama te abandona
E você não resiste,
Quando ela surge
Ela vem e instaura o seu cosmético caótico
Você começa olhar com olho gótico
De cristão legítimo
Mas eu sou preto, meu nego
Eu sei que isso não nega e até ativa
O velho ritmo mulato
E o leão ruge
O fato é que há um istmo
Entre meus Deus
E seus Deuses
Eu sou do clã do Djavan
Você é fã do Donato
E não nos interessa a tripe cristã
De Dilan Zimerman
E ele ainda diria mais
Mas a canção tem que acabar
E eu respondi:
O Deus que você sente é o deus dos santos:
A superfície iridescente da bola oca,
Meus deuses são cabeças de bebês sem touca
Era um momento sem medo e sem desejo
Ele me deu um beijo na boca
E eu correspondi àquele beijo.