terça-feira, 13 de março de 2007

Em relação ao homem bicho: lobo, rato ou porco?

Sábado passado iniciei a execução de um projeto que certamente me trará muita alegria. Uma espécie de oficina de leitura, produção e interpretação de textos em parceria com a CUFA. Essa oficina é parte do Espaço Usina, projeto que visa à divulgação da arte e cultura. Começamos o trabalho com a análise do homem bicho interpretado pelos textos: O Bicho – Manuel Bandeira – 1947 e Ode aos ratos - Edu Lobo/Chico Buarque – 2001. Os textos remetem à situação do homem sem perspectiva, família, sonhos, projetos ou valores. O homem que já não vive, apenas sobrevive catando lixo e incomodando seus semelhantes porque sua existência é algo intragável para a sociedade, ou melhor, para os demais filhos de deus.

Será que foi o capitalismo o responsável por essa situação? Seus fantasmas como a globalização, “a mais-valia”, a má distribuição de renda, a alienação e o consumismo podem ser vistos como culpados por muitos, mas eu discordo dessa responsabilidade. Para mim, Hobbes estava certo ao afirmar que o homem é o lobo do homem que para sobreviver sem guerras estabeleceu um contrato social. O problema é que a natureza humana obrigou a alteração de algumas cláusulas.

O que importa é que o aditivo ao contrato foi assinado e nele constava declaração de que tal procedimento foi feito sem nenhum vício de vontade ou consentimento. O que faltou foi o comprometimento humano nessa afirmação de vontade, pois a justificativa de todos costuma ser o sistema e não o desejo. Não há possibilidade alguma de um cidadão admitir que é seu anseio ser egoísta e preocupar-se consigo, simplesmente. Ele pode até solicitar a deus ajuda aos ratos,(ou aos porcos como no documentário) em suas orações; pode responsabilizar os políticos e esbravejar contra o sistema (como citado), mas nunca admitirá sua participação e agirá de forma a alterar essa realidade.

Costumo dizer que a subumanidade em que a esmagadora parcela da humanidade sobrevive é como uma bomba aguardando a o último centímetro ser queimado para bbbbuuuuummmmm: explodir. Gostaria de informar que não haverá sobreviventes e os estilhaços atingirão até mesmo as cercas elétricas.

Recomendo o documentário Ilha das Flores: http://www.portacurtas.com.br/download.asp
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O Bicho – Manuel Bandeira - 1947

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


Ode aos ratos - Edu Lobo/Chico Buarque – 2001

Rato de rua
Irrequieta criatura
Tribo em frenética proliferação
Lúbrico, libidinoso transeunte
Boca de estômago
Atrás do seu quinhão
Vão aos magotes
A dar com um pau
Levando o terror
Do parking ao living
Do shopping center ao léu
Do cano de esgoto
Pro topo do arranha-céu
Rato de rua
Aborígene do lodo
Fuça gelada
Couraça de sabão
Quase risonho
Profanador de tumba
Sobrevivente
À chacina e à lei do cão
Saqueador da metrópole
Tenaz roedor
De toda esperança
Estuporador da ilusão
Ó meu semelhante
Filho de Deus, meu irmão

3 comentários:

Rafael disse...

putz cara o poema do Bandeira eu li na escola e o documentário eu também vi na escola muito tempo atras... nem lembrava mais o nome...
contribuiu muito pra minha formação.

bjos Day!

Dayani Guero disse...

É Rafa....me lembra tbem minha construçao e todas as dúvidas que já me permearam em relaçao a este tema.

valeu meu fiel comentarista!!!!

Anônimo disse...

Fico muito curioso para saber o teor das discussões na Central Única das Favelas, sobretudo quanto à ode muy complascente de Lobo/Buarque de Hollanda, que performaticamente transforma todos os cidadãos em "estuporadores" da ilusão. Na poesia isso fica bonito e até profundo mas na sociologia traz algumas distorções: a culpabilidade da vítima.